Cada arma possui um jeito correto de uso. Um arqueiro não manuseia sua arma exatamente como um policial que, por sua vez, difere muito de um samurai. Espada, arco e flecha, revólver, canhão e bazuca são armas distintas, que exigem preparo e manuseio específicos.
Da mesma forma ocorre com a Palavra de Deus. É claro e nítido que a Bíblia foi a arma utilizada por Jesus em sua batalha contra a tentação. Ela, porém, possui regras de manuseio específicas, cujo nome é hermenêutica literal-gramático-histórica. Jesus não utilizou as Escrituras fora das regras ortodoxas de interpretação da Bíblia. Pelo contrário. Ele se vale destas regras, opondo-se ao uso feito pelo Diabo.
Em sua primeira resposta à tentação diabólica, Jesus não escolhe um texto totalmente aleatório, mas apelou para Deuteronômio 8.3, evidenciando e ilustrando o relacionamento que Deus tencionou para seu povo, mas fora quebrado pela desobediência deste. Do mesmo modo que Moisés ensinou para o povo que o maná foi dado por Deus, Jesus afirma que Deus é quem O sustenta, providenciando, quando bem entender, o pão necessário.
De modo semelhante, como respostas às segunda e terceira tentações, o uso de Deuteronômio 6.13,16 não é desconexo, mas pensado didaticamente para o povo de Israel, principal leitor inicial de Mateus. Sendo assim, mesmo com contextos distintos, ele se utiliza dos princípios contidos em Deuteronômio e os aplica à sua experiência. Jesus não ignora o contexto em que o mesmo foi primariamente dito, mas se vale do mesmo para identificar-se com Israel. Deus alertou o povo a não testá-lo e adorar outros deuses. Assim procedeu Jesus quando não testou a Deus e, muito menos, adorou um ser da criação.
Nas três citações de Jesus há uma harmonia com o contexto, especialmente pela relação dele com o povo de Israel e por momentos de vida semelhantes. Ao ser o israelita perfeito, convinha que Jesus utilizasse textos cujos paralelos com o povo de Israel fossem claros.
Diferente uso das Escrituras fez Satanás. O inimigo citando a Bíblia é paradoxal, mas foi exatamente isso que ele fez, utilizando a mesma arma de Jesus, mas sem saber seu correto manuseio. Ele cita uma parte do Salmo 91; mais especificamente, os versículos 11 e 12. Esses versos são o clímax de um salmo que trata sobre a proteção divina. Tal proteção, porém, não é a parte de limites claros e definidos. O trecho ignorado por Satanás é extremamente importante para entender que a proteção divina ocorre quando alguém anda nos caminhos dele. Ou seja, o salmo não defende a ideia de que Deus protegerá seu povo, independentemente dos pecados que este comete, dos desvios e loucuras, do quão longe da vontade divina alguém esteja.
O que Satanás estava propondo para Jesus era o requerimento de uma proteção descrita no salmo, mas de maneira parcial. Satanás desejava que Jesus abandonasse a vontade do Pai, se colocasse em perigo, para então ser guardado por Deus. Mas o ensinamento do salmo é exatamente o oposto. A medida que o povo cumprisse a sua parte na aliança mosaica, obedecendo a Deus, confiando nele e andando em seus caminhos, Deus traria a proteção necessária, cumprindo o que lhe cabia nas estipulações da aliança.
O Diabo ignora completamente os padrões hermenêuticos conservadores, o contexto e o propósito inicial do Salmo. O Salmo 91 fala sobre proteção divina, mas nunca contra suicídio. As citações de Jesus, mesmo com trechos de versículos, não omitem partes importantes dos mesmos, como procedeu Satanás, e nunca ignora os contextos iniciais. Pelo contrário, se vale deles para as devidas aplicações para si mesmo.
A Palavra de Deus é a principal arma do cristão para combater as tentações. Mas se não for usada corretamente, poderá, inclusive, contribuir para as ações malignas. O cristianismo sofre quando versículos são tirados de seu contexto, quando a cultura da época não é estudada, quando o sentido original é ignorado, quando a interpretação é focada no leitor atual, e não no escritor. Além de utilizar a Palavra, todo cristão tem a obrigação de saber manusear bem a arma que dispõe.
Maravilha de texto! Parabéns, Júnior.
Obrigado irmão, esse texto é do Rafael Simões de Ribeirão Preto.
Muito obrigado irmão. Grande abraço!
Grato Azenati. Espero que tenha sido útil. Glória a Deus!